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Corticóides & Choque

O uso de corticóides no choque é extremamente controverso e discutido. Inicialmente ele surgiu como parte obrigatória da terapêutica no choque baseado principalmente nos estudos NASCIS 1, 2 e 3. Após algum tempo, reavaliações desses estudos mostraram "fragilidades" no tocante ao desenho do estudo e seus resultados, daí iniciou-se a grande dúvida shakespeariana sobre usar ou não essa classe de fármaco.  Atualmente nota-se um certo maniqueísmo sobre eles e uma tendência significativa de abandonar o uso dessa medicação em todos os casos, sendo indicado em situações bem específicas.

Quando perguntado sobre o porquê de usar corticóides em altas doses a resposta vem na ponta da língua: "estabilizar as membranas celulares". Mas porquê essa resposta?

Choque é a manifestação clínica da oferta inadequada de oxigênio aos tecidos. Essa perfusão débil pode ocorrer a partir de evento hipovolêmico (perda de água intravascular ou hemorragia), cardiogênico (falha da bomba cardíaca, arritmias) e/ou distributivo (vasodilatação grave: sepse, inflamação sistêmica, trauma, medicação). Quando há uma falta na entrega de oxigênio aos tecidos, há uma diminuição da produção da adenosina trifosfato (ATP).

A energia é produzida a partir da quebra do ATP. A depleção do ATP resulta em eventos catastróficos para a célula,  como o incremento no cálcio e sódio citosólico, edema celular e ruptura da membrana celular. Quando a membrana celular perde a sua integridade, através da ação enzimática da fosfolipase A2, inicia-se o metabolismo do ácido graxo, a cascata do ácido araquidônico e  a produção de mediadores pró-inflamatórios (leucotrienos, tromboxanos e prostaglandinas).  Esses mediadores ativam os leucócitos que liberam citocinas pró-inflamatórias (TNF-alfa, IL-1 e IL-8) os quais podem iniciar uma resposta inflamatória sistêmica.

No laboratório, os corticóides possuem efeito inibitório em diversas cascatas enzimáticas, p.ex. fosfolipase A2 e ciclooxigenase, e também, na quimiotaxia, adesão de leucócitos e produção de espécies reativas de oxigênio. Entretanto, podemos traduzir os achados laboratorias para beneficios clínicos que superam os efeitos colaterais dos corticóides?

Raflo et al. (Am J Surg 1975 130(3):3217) foi um dos primeiros pesquisadores a estudar os efeitos da aplicação de dose altas de corticóide antes de choque hemorrágico grave e letal. Não foi observado diferenças no débito cardíaco, pressão arterial média e no fluxo da artéria mesentérica superior. Mas, então, qual é o perigo?

Muitos de nós já testemunhamos os efeitos colaterais do uso de corticóides em altas doses. Hemorragia por ulceração do TGI é provavelmente o mais comum e letal em cães. Há também, o aumento de infecções nosocomiais, disfunções renais e hepáticas, hiperglicemia e mortalidade.

Contudo, se nós dissecarmos o assunto do uso de corticóide em pacientes humanos em unidades intensivas (onde a maioria dos estudos clínicos ocorrem), podemos achar informações interessantes e que podem beneficiar nossos pacientes. Em pacientes em unidades intensivas, há uma síndrome de insuficiência relativa da adrenal. Também, em pacientes com hipotensão persistente e não responsiva a terapia vassopressora, se beneficiam do uso de baixas doses (fisiológicas) de corticóides, sendo que a pressão arterial melhora e são retirados mais rapidamente da terapia vassopressora.

Portanto, as indicações do uso de corticóides no choque são:
- suplementação de baixas doses de corticóides em animais hipotensos com choque séptico não responsivo a terapia vassopressora
- suplementação de corticóides em casos de hipoadrenocorticismo (suspeita ou confirmado)
- em animais em terapia crônica de corticóides

Referência:  Elke Rudloff. Steroids in Shock.... Friend or Foe??? Disponível em: http://www.animalemergencycenter.com/education.html

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